quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

Vingança

Agora em primeira pessoa ...

Ele estava parado no local onde eu supunha. Era o dia. Estacionei mais adiante. No banco de trás, meus auxiliares anteviam o sucesso de mais uma empreitada. Os brutamontes que contratei deram uma volta na quadra. Gostei do cuidado. Profissionais. Foram infindáveis dois minutos até a abordagem. Pelo retrovisor, vi quando eles o socaram para dentro do carro. Arrancaram em alta velocidade. Eu segui, discreta, até o local combinado.


Quando entrei na velha cabana abandonada, o desgraçado já estava amordaçado e amarrado em decúbito dorsal sobre uma mesa, nu, do jeito como eu ordenei. Serviço rápido e de primeira. Paguei com gosto os brutamontes, avisei que iria precisar deles mais vezes e mandei-os embora. O resto era comigo e com meus auxiliares.

Peguei a mala que eu deixara no dia anterior. Arrumei tudo sobre uma mesa de apoio: bisturi elétrico, bisturi frio, tesouras retas e curvas, pinças. Ele estava ali, imóvel, o safado. Ele, enfim, veria o que é abusar de um indefeso. Aquelas costas peludas me deram nojo. Depilei-as e esterilizei a área. O animal nada fazia. Sequer um movimento. Assim não teria a menor graça. Ele nem saberia por que estava ali. Provoquei:

- Você quer saber o que lhe vai acontecer? Ah, coitadinho, não pode responder...

A criatura não se moveu. Não estaria me ouvindo? Gritei no ouvido dele:

- Lembra daquela criancinha que você matou? Pois é, a polícia não o pegou.

O monstro deu um grunhido. Ainda ria, o pulha. Ele não fazia idéia de com quem se meteu.

- Mas eu peguei. Eu sou bem pior do que polícia.

O demônio continuava a rir. Se ele queria deboche, era o que teria:

- Deboche, é? Vou lhe dar a chance de redenção. Vai doar vários órgãos para salvar vidas de papais e mamães de várias criancinhas como aquela que você...

O traste debateu-se. Era tudo o que eu queria. Levantei a cabeça do animal pelas crinas e gritei:

- Assim é que eu gosto. Com emoção e sem anestesia!

E ordenei:

- Bisturi, por favor!

Vingança

Ele estava parado no local onde ela imaginara. Ela estacionou mais adiante. Seus comparsas, em outro carro, deram uma volta na quadra para ver se a barra estava limpa. Infindáveis dois minutos até a abordagem. Pelo retrovisor, viu quando dois brutamontes o socaram para dentro do carro. Arrancaram em alta velocidade e ela os seguiu até o local combinado.


Quando ela entrou na velha cabana abandonada, ele já estava amordaçado e amarrado sobre uma mesa, do jeito como ela planejara. Pagou os brutamontes e mandou-os embora. Ficaram apenas dois enfermeiros auxiliares. O resto era com ela.

Pegou a mala que trouxera no dia anterior. Arrumou tudo sobre uma mesa de apoio: bisturi elétrico, bisturi frio, tesouras retas e curvas, pinças. Depilou as costas, passou um líquido alaranjado. Diante da passividade do homem, ela provocou:

- Você quer saber o que lhe vai acontecer? Ah, coitadinho, não pode responder...

O homem nem se moveu. Ela queimou-se:

- Lembra daquela criancinha que você matou? Pois é, a polícia não o pegou.

O homem deu um grunhido. Ela interpretou como uma risada.

- Mas eu peguei. Eu sou bem pior do que polícia.

Ele continuava a grunhir. Ela irritou-se:

- Deboche, é? Vou lhe dar a chance de redenção. Vai doar vários órgãos para salvar vidas de papais e mamães de várias criancinhas como aquela que você...

O homem debateu-se. Era tudo o que ela queria.

- Assim, com emoção e sem anestesia é o que gosto.

E ordenou:

- Bisturi, por favor!

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Encontro

Eles encontraram-se no saguão do aeroporto. Olharam-se. Dirigiram-se para o balcão da mesma companhia aérea. Esbarraram seus carrinhos com as malas. Desculparam-se, sorriram. Ele fez questão que ela passasse a sua frente.

Minutos mais tarde, reencontraram-se na sala de embarque lotada. Ele estava sentado. Ao seu lado, o único lugar vago, sob o qual repousava um jornal. Ele o retirou e fez um movimento com a cabeça, chamando-a. Ela agradeceu meio sem jeito. Ele era um sujeito perigoso de bonito. Agradável demais para ser verdadeiro. Tratou de achar algo para uma fingida leitura na sua bagagem de mão. Ele leu o título do livro: Concerto campestre. Comentou:

- Esse Maestro é um cara de sorte. É raro o amor vencer no final de livros brasileiros.

Ela sorriu com o romantismo anacrônico e com o comentário despropositado. Não se conteve:

- Muito obrigada, Senhor Spoiler.

Riram juntos. Ele insistiu:

- Mas não é verdade? Quem não quer ser feliz?

Ela voltou os olhos para o livro.Ele pegou na mão dela, puxou de leve o livro e insistiu:

- E o que mais pode fazer um homem feliz do que uma mulher apaixonada?

Ela fechou o livro. Não se deixaria levar:

- A conquista da Libertadores da América, por exemplo.

Riram mais. Olhos nos olhos. Falaram amenidades. Não notaram que o voo estava atrasado. Ele passou o braço por trás da cadeira dela. Não viram a multidão que se aglomerava na sala de embarque. Ela mexia no cabelo. O choro de um bebê no colo de uma senhora que estava em pé despertou-os. Ele cedeu seu lugar. Ela deu um jeito de acompanhá-lo:

- A senhora pode colocar sua bagagem de mão aqui, por favor. – Disse, levantando-se e ajudando a mulher a acomodar-se.

Ele tomou a mão dela. Em tom jocoso, parabenizou “a escoteira”. As mãos não se largaram. Olhavam-se. O silêncio foi quebrado pelo anúncio do voo 237 da TAM para Porto Alegre.

- É o meu. – Disse ele, olhando para o chão.

Ela apertou mais ainda a mão dele.

- Também é o meu.

Ela quis perguntar para onde ele iria. Ele abriu a boca para fazer a mesma pergunta a ela. Engoliu o ar. Queriam saber um do outro, não queriam contar sobre si.

Entraram na fila do embarque, os cartões meio escondidos. Não, as poltronas não eram lado a lado. No avião, quando se separariam, a senhora com o bebê no colo fez questão de trocar de lugar com ela “para não separar o casal”. Só então se deram conta de que não separaram mais as mãos.

Sentaram lado a lado. Não mais conversavam. Olhavam-se. Nada mais. Tudo isso. Um quase-beijo. Por duas vezes, ele tentou falar. Ela o impediu com o toque leve de seus dedos sobre os lábios dele. Quando o avião aterrissou, ele não se conteve:

- Me diz pelo menos o teu nome...

Ela titubeou. Pensou. Desviou o olhar e respondeu:

- Clara Vitória.

Ele ficou sem graça. Vingou-se:

- Prazer, Silvestre Pimentel.

Riram sem graça. Ela passou a frente. Ele ficou para trás de propósito.

Enquanto ele esperava por sua mala na esteira, ele viu, pela porta de vidro, a sua Clara Vitória ser recepcionada por uma menininha que correu ao seu encontro. Um homem beijou-a de leve e carregou suas malas. Ele baixou os olhos para mais não ver.

Enquanto ele procurava as chaves do carro na maleta, lembrou do seu apartamento vazio, do gato que deveria pegar no hotelzinho da pet shop. E de um verso de um poema de Camões que diz mais ou menos assim: “para tão grande amor, tão curta vida”.

Flores de novembro





Obrigada, Raquel!!!

Obrigada, 3D!!!