quinta-feira, 26 de maio de 2011

Congresso nacional do medo - final alternativo

CONGRESSO NACIONAL DO MEDO

A Cuca estava nervosíssima. Era preciso fazer alguma coisa. A data fatídica estava chegando. Pensou, pensou. Pegou papel e carvão. Enviou o seguinte caldeirãorograma:



CONVOCAÇÃO

Reunião em Brasília, no Congresso Nacional, em 30 de outubro, meia noite.

Assunto: Halloween, perigo iminente.

Maleficamente,

Dona Cuca

Rainha Suprema da AMACB







Do lado de lá do caldeirão, receberam a convocação todos os associados da Associação Brasileira de Monstros Assustadores de Crianças do Brasil: a Mula-sem-cabeça, o Caipora, o Bicho Papão, o Velho do Saco, o Saci, o Boitatá... No entanto, a correspondência demorou mais para chegar a alguns parentes – a Boiúna, o Cabeça de Cuia, o Cãoera, o Cumacanga, o Mapinguari... Afinal, cruzar o país, do Capoeirão dos Tucanos até a Amazônia, não é café com bolinho nem para caldeirãorogramas...

Na data e no horário marcados, todos estavam lá. Não precisaram utilizar seus poderes mágicos para entrar no prédio do Congresso Nacional: os guardas dormiam. Soninho tão bom que nem se mexeram com as risadas da Cuca, lembrando de um certo Major do Reino das Águas Claras...

Todos os que conseguiam sentar abancaram-se nas cadeiras estofadas. Boitatá, Boiúna e Cobra Norato rastejavam no carpete macio – quase tão bom quanto um leito de folhas fofinhas. Batiam o maior papo, contando as novidades de suas terras. Foi então que a Cuca conclamou:

- Vamos abrir os trabalhos cantando nosso hino.

Monstros e bruxas se puseram em posição de sentido. Claro, cada um do seu jeito de respeitar. Com lágrimas de emoção, cantaram:

Nana, neném

Que a Cuca vai pegar

Todos achavam muito justo mencionar sua rainha no hino. E não suportavam a insinuação que estariam copiando a homenagem do hino da Inglaterra.

A cantoria continuava:

Papai foi na roça

Mamãe foi visitar.

Que bicho é aquele

Que está em cima do telhado...

A essa altura do hino, a confusão sempre se armava em todas as assembleias da AMACB. Todos gritavam seu nome:

- Sou eu, Bicho Papão, o Tutu!

- Não, sou eu, o Papa-figo...

A falação só parou quando a Cuca deu um basta:

- Isso é sério, gente, quero dizer, monstros, bruxas e assemelhados. Estamos na véspera de mais um Halloween e...

- ... E nem nos convidaram, né, prima? – Riu-se a Iara.

O Saci interveio:

- Sem brincadeirinhas, primas! O fato é que as crianças não têm mais medo da gente. Algumas sequer sabem que existimos...

O Mapinguari, com suas três bocas, esquentou-se:

- Ora, Saci, quem é você para reclamar? Você é da classe dos privilegiados! Seu Lobato te retratou. Até símbolo de time de futebol virou. Eu que sou do Centro-Oeste nem apareço...

- Nem eu que sou do Sul – atalhou o Negrinho do Pastoreio. – As crianças só tomam conhecimento da minha existência quando estão lá pela quarta série e não acreditam em mais nada. E eu não quero assustar como vocês...

A Cuca enfureceu-se:

- Acreditam mais naquele bruxinho feito de meia tigela de mentiras do Harry Potter do que em mim, que sou de verdade.

Todos aplaudiram a sua Rainha. Cumacanga, ajeitando sua cabeça para não pôr mais fogo ainda na discussão, completou:

- Olhem bem para mim! Não sou mais assustadora do que o Jason ou qualquer monstro de mentira dos filmes de Hollywood? E as crianças nem me conhecem...

- Bem, filhinha, se você é feia, fazer o quê? – emendou a Cuca. – Eu sou linda, apesar dessa maledicência de que tenho cara de jacaré... Vocês não acham, meus súditos?

Silêncio total. Ninguém discordou da Cuca: eram monstros e assombrações, não loucos fugidos de hospício. A Mula-sem-cabeça, que não tinha cabeça mas era muito sensata, arrematou:

- O fato é que as crianças não têm medo mais de nada. Acham que podem fazer o que querem e não vão ter castigo. Estão ficando mais capetas do que o Saci Pererê...

- E eu não admito concorrência desleal! – Gritou o Saci.

A discussão acirrou-se. Entre planos e mais planos, não notaram que alguém os observava, até que um flash mais forte chamou-lhes a atenção.

- Juro que a minha cabeça está no lugarzinho! – Apressou-se Cumacanga.

O Saci, sempre bem esperto, apontou para um cantinho da sala:

- Olha lá, atrás da cortina! Um repórter!

Os olhos da Cuca brilharam:

- Essa é a nossa grande oportunidade! Tragam o reporterzinho aqui!

O repórter foi até a Cuca sem ninguém precisar levar. O Bicho Papão tentava explicar:

- Estamos aqui reunidos para achar uma saída para nossos maiores problemas: a concorrência com os monstros de Hollywood e a falta de crença das crianças.

O repórter abriu um sorriso:

- Então vamos documentar esse momento!

Os monstros e assemelhados acotovelavam-se – isto é, quem tinha cotovelos - para sair nas fotos. A Cuca até entregou ao repórter uma carta de intenções, em que explicava tudinho, tim-tim por tim-tim. A reunião terminara em grande estilo.

No dia seguinte, os monstros, hospedados nos telhados do Papa-figo, esperavam pelos jornais. A Cuca se imaginava na capa, em foto de meia página. Quando o jornal chegou, pelas mãos furadas do Saci... nada de capa. Nem de contracapa. Só uma notinha bem pequena: “Congressistas vestem-se de seres do folclore nacional às vésperas do Halloween.”

Triste, o Tutu constatou:

- Não se faz mais sensacionalismo como antigamente!









Congresso Nacional do Medo

CONGRESSO NACIONAL DO MEDO

A Cuca estava nervosíssima. Era preciso fazer alguma coisa. A data fatídica estava chegando. Pensou, pensou. Pegou papel e carvão. Enviou o seguinte caldeirãorograma:



CONVOCAÇÃO



Reunião em Brasília, no Congresso Nacional, em 30 de outubro, meia-noite.

Assunto: Halloween, perigo iminente.

Maleficamente,

Dona Cuca

Rainha Suprema da AMACB







Do lado de lá do caldeirão, receberam a convocação todos os associados da Associação Brasileira de Monstros Assustadores de Crianças do Brasil: a Mula-sem-cabeça, o Caipora, o Bicho Papão, o Velho do Saco, o Saci, o Boitatá... No entanto, a correspondência demorou mais para chegar a alguns parentes – a Boiúna, o Cabeça de Cuia, o Cãoera, o Cumacanga, o Mapinguari... Afinal, cruzar o país, do Capoeirão dos Tucanos até a Amazônia, não é café com bolinho nem para caldeirãorogramas...

Na data e no horário marcados, monstros, bruxas e outras criaturas estavam lá. Não precisaram utilizar seus poderes mágicos para entrar no prédio do Congresso Nacional: os guardas dormiam. Soninho tão bom que nem se mexeram com as risadas da Cuca, lembrando de um certo Major do Reino das Águas Claras...

Todos os que conseguiam sentar, abancaram-se nas cadeiras estofadas. Boitatá, Boiúna e Cobra Norato rastejavam no carpete macio – quase tão bom quanto um leito de folhas fofinhas. Batiam o maior papo, contando as novidades de suas terras. Foi então que a Cuca conclamou:

- Vamos abrir os trabalhos cantando nosso hino.

Os sócios da AMACB se puseram em posição de sentido. Claro, cada um do seu jeito de respeitar. Com lágrimas de emoção, cantaram:

Nana, neném

Que a Cuca vai pegar

Todos achavam muito justo mencionar sua rainha no hino. E não suportavam a insinuação que estariam copiando a homenagem do hino da Inglaterra.

A cantoria continuava:

Papai foi na roça

Mamãe foi visitar.

Que bicho é aquele

Que está em cima do telhado...

A essa altura do hino, a confusão sempre se armava em todas as assembleias da AMACB. Todos gritavam seu nome:

- Sou eu, Bicho Papão, o Tutu!

- Não, sou eu, o Papa-figo...

A falação só parou quando a Cuca deu um basta:

- Isso é sério, gente, quero dizer, monstros, bruxas e assemelhados. Estamos na véspera de mais um Halloween e...

- ... E nem te convidaram, né, prima? – Riu-se a Iara.

O Saci interveio:

- Sem brincadeirinhas, primas! O fato é que as crianças não têm mais medo da gente. Algumas sequer sabem que existimos...

O Mapinguari, com suas três bocas, esquentou-se:

- Ora, Saci, quem é você para reclamar? Você é da classe dos privilegiados! Foi retratado pelo Seu Lobato. Até símbolo de time de futebol virou. Eu que sou do Centro-Oeste nem apareço...

- Nem eu que sou do Sul – atalhou o Negrinho do Pastoreio. – As crianças só tomam conhecimento da minha existência quando estão lá pela quarta série e não acreditam em mais nada. E eu nem quero assustar como vocês...

A Cuca enfureceu-se:

- Acreditam mais naquele bruxinho feito de meia tigela de mentiras do Harry Potter do que em mim, que sou de verdade.

Todos aplaudiram a sua Rainha. Cumacanga, ajeitando sua cabeça para não pôr mais fogo ainda na discussão, completou:

- Olhem bem para mim! Não sou mais assustadora do que o Jason ou qualquer monstro de mentira dos filmes de Hollywood? E as crianças nem me conhecem...

- Bem, filhinha, se você é feia, fazer o quê? – emendou a Cuca. – Eu sou linda, apesar dessa maledicência de que tenho cara de jacaré... Vocês não acham, meus súditos?

Silêncio total. Ninguém discordou da Cuca: eram monstros e assombrações, não loucos fugidos de hospício. A Mula-sem-cabeça, que não tinha cabeça mas era muito sensata, arrematou:

- O fato é que as crianças não têm medo mais de nada. Acham que podem fazer o que querem e não vão ter castigo. Estão ficando mais capetas do que o Saci Pererê...

- E eu não admito concorrência desleal! – Gritou o Saci.

A discussão acirrou-se. Entre planos e mais planos, não notaram que o dia amanhecia. Os congressistas, aos poucos começaram a chegar. Ninguém estranhou a presença daqueles seres ali. Afinal, era Halloween. Uma deputada comentou:

- Por que não me avisaram que poderia vir de fantasia? Meu sonho é me vestir como a professora Minerva McGonagall, do Harry Potter. Não é o máximo?

Todos os integrantes da AMACB paralisaram-se com o comentário da deputada. “Até ela?”, pensaram. Desanimados, deram ouvidos a alguns dos comentários paralelos que rolavam na sala. Os monstros e assemelhados assustaram-se com isso. Como assim, deixar de fazer tudo isso pelas crianças? Só por que não são do mesmo partido?

Os monstros horripilaram-se. Ouviram mais alguns comentários e saíram, um a um, desanimados. No dia seguinte, a Cuca mandou outro caldeirãorograma, que dizia assim:





CONVOCAÇÃO EXTRAORDINÁRIA

Assembleia no Rio de Janeiro, 15/11, Biblioteca Nacional, meia-noite.

Pauta: estratégias para ajudar pais e professores.
Perigo eminente: concorrência desleal.

Horripilada,

Cuca

Rainha da AMACB.


domingo, 8 de maio de 2011

Data de lançamento de "A sinistra casa da Vovó Sinistra" - 18/06

Marcada a data do lançamento do meu livro:
18 de junho (sábado) , no Auditório da Faccat, às   10h.
O convite "oficial" sai nesta semana!
Espero todos lá!

quinta-feira, 5 de maio de 2011

Flores de maio


Foi a camélia que não caiu do galho...


 ... não deu suspiros ...


... tampouco morreu.


     Tirei essas fotos agorinha, no meu jardim. As flores ainda estão molhadas de sereno.
     Podem me chamar de brega, de demodê, de cafona. O fato é que camélias estão plantadas nas minhas mais profundas memórias afetivas. Das mulheres que foram antes de mim... Das minhas queridas avós, Ida e Norma...
    Como meu aniversário é em junho, época de plena e exuberante floração das camélias, sempre tive as festas dos meus aniversários, na infância, decoradas com grandes vasos de camélias - vai longe a época em que  toda a sorte de descartáveis detestáveis não poluíam os olhos. Sempre dois. Um da colheita de cada avó. Elas tinham uma competição tácita: quem traria o buquê maior e mais bonito. Era o jeito delas de amar. Eu o sabia, só me encarregando de parecer não saber.  Entre goles de chá preto fervido com maçã, canela, cravo e erva cidreira, as duas comentavam, em alemão, algo que eu vagamente entendia - era sobre as matizes das flores. Admiravam-se dos arabescos em tons de rosa e vermelho sobre os fundos brancos e gomosos. Mas almejavam sempre flores mais brancas. Nunca conseguiram uma camélia totalmente branca. Lembro qualquer coisa de a Vó Norma ter conseguido, não sei de onde,  um galho de camélia branca. Mas não deu certo.
   Plantei minhas camélias em fevereiro deste ano. Comprei sem lhes saber a cor. Imaginei que fossem matizadas de rosa ou, com sorte, de vermelho. Ainda disse para a atendente da floricultura "Bem capaz que alguma será branca...". Mas com uma esperançazinha passeando no coração.  Para minha surpresa, eis que a primeira camélia se abriu. E era branca. Sem o saber, trouxe para casa algo que era um dos doces sonhos de minhas avós. Sem querer. Quando escolhi as mudas, só olhei o tamanho, o enraizamento... Não havia como adivinhar. Ou havia? O que sei é que elas ficariam admiradíssimas com o feito. Certamente posariam para retrato ao lado do pé.
  Essas ironias do destino trazem uma certa mágica ao cotidiano, que teima em ser sem graça - mas para tudo se dá um jeito. Ao mesmo tempo, meu coração está apertado de saudade. Ontem, fez 14 anos que minha avó Norma faleceu. A Vó Ida faleceu quando eu tinha 14 anos, bem no dia do aniversário da outra avó, 29 de novembro. Das duas, queria ter a força e a coragem. E o bom humor inabalável. E o grande coração. Mas, delas, além das minhas melhores lembranças, só levo a teimosia - eram amorosamente teimosas as duas. Ou resolutas. Aquela característica bem estereotipadamente germânica de ir atrás até conseguir. Isso eu herdei. Mas dizem que eu sou mais parecida com a minha bisavó, mãe do meu avô materno, da família Meine, que morreu quando minha mãe tinha apenas 8 anos. Gosto quando dizem isso porque, por tabela, estão dizendo que eu cozinho bem, que sou criativa... Mas ela me é muito abstrata: apenas uma lápide no cemitério. Ou não...
   Lembrei do caso da minha comadre com as camélias brancas. O pai dela havia plantado uma muda. Cuidou, cuidou, mas a planta não florescia a contento, por anos. O pai se foi. O mundo deu voltas. Ela marcou casamento. Na véspera da cerimônia, indo à casa da sua infância, deparou-se com o pé ampla e lindamente florido. Galhos de camélias brancas enfeitaram a mesa do altar, na singeleza da presença do pai. Essas histórias entrelaçam amigas como nós, moldadas no mesmo barro.
   Pena que as camélias só florescem uma vez por ano. E pessoas como elas  nós só encontramos vez em quando na vida.  A expectativa do botão, o deslumbramento do desabrochar são pontuados pela certeza inexorável do murchar. Mas o espetáculo da existência, do perfume e dos matizes fica nas mais caras e afetuosas lembranças.

quarta-feira, 4 de maio de 2011

Palavra

Te dou minha palavra.
E a palavra é tudo.

segunda-feira, 2 de maio de 2011

Comentário sobre "A mãe do jogador"

Está bem: admito. Estraguei o conto no final. Mas quem me conhece sabe: perco o conto, mas não perco a piada. Amanhã, ou depois, ou ainda depois, publicarei a versão "séria" do conto.
Mas é só brincadeira, deixe-se claro.

A mãe do jogador

     Havia um enorme relógio na parede. O ponteiro dos segundos, emperrado. Sim, emperrado. Sem outra explicação. As revistas velhas, a TV ligada no Vale-a-pena-ver-de-novo não o consertavam. O filho ali, do seu lado, olhava hipnotizado para a novela antiga. Mas a mãe já sabia do final sem graça. Se ele soubesse... continuaria olhando do mesmo jeito. E a culpa, claro, era dela.
   Aqueles homens engravatados e bem barbeados e aquelas mulheres equilibradas no salto agulha, de cabelos tingidos e escovados por pouco não tropeçavam nos pés 44 do rapaz. Ele não notava o trânsito das pessoas ocupadas e sérias, tampouco recolhia as longas pernas esticadas. Fascinado pelo écran, soltava sua anacrônica risada. Sem pudores. Brilhavam-lhe os dentes, perfeitos apesar da antecipação da retirada necessária do aparelho ortodôntico. Era lindo e forte o filho. Arrependia-se dos suplementos vitamínicos, do Mucilon, do Toddy, do Nescau... Se não fosse isso, teria o filho a mesma força física? E arrependia-se de arrepender-se.
    A mãe fizera um bom trabalho. Afinal, que mãe não gosta de ouvir das tias chatas que o filho "crescera como uma abóbora"? Abóboras crescem rápido, escapando-nos das mãos? A mãe não sabia. Eram poucas as suas certezas - a do nó na garganta, das unhas roídas, da vontade de sumir dali. Não, o seu filho não era um negócio, como queria o advogado por quem esperavam - direito esportivo, dizia a placa na porta que teimava em não abrir. Cada coisa que essa gente inventa por dinheiro...
    O filho era bom. Não só de bola. A mãe fizera um bom trabalho, claro. Mas se não o tivesse matriculado naquela bendita - maldita?- escolinha de futebol?
     Agora, a iminência de um oceano a separá-los. O filho era pouco mais do que um guri. Mal falava português - "casa de ferreiro, espeto de pau", era como a mãe se desculpava. Como aprenderia italiano, inglês ou espanhol? Passaria fome? Quem lhe faria a sopa de aveia com tutano?
    No entanto, tratava-se do sonho do filho. Não deixaria que seus medos de mãe velha impedissem a felicidade de seu rebento. Mas o mundo lá fora é mau; o filho, bom. A mãe fizera um ótimo trabalho: nem sempre o espeto de ferreiro é de pau. Mas um oceano, 12 horas de voo e meses de trabalho para pagar uma passagem... como correria para acudi-lo. Ele, hora ou outra, necessitaria dela. E se o arrancasse dali agora, já?
   Contudo, ainda o sonho. A felicidade. Serviria o filho para outro ofício? Onde ou quando teria outra oportunidade de fugir da mediocridade financeira? À mediocridade intelectual ele já estava fadado, fazer o quê? Nunca teria um filho Doutor, seja lá em qual área fosse. Claro, porque Doutor é quem tem doutorado como ela. A mãe fizera um excelente trabalho. Sempre dera escolhas ao filho. Isso é certo. Mas se agora lhe puxasse as rédeas?
    A porta do escritório abriu, pulando de lá propostas, números e percentuais. Os grandes times queriam o filho para eles. Itália, Espanha, França, Inglaterra. O oceano, o avião, a passagem e o mais frio dos medos. A mãe era inteligente. Pensava rápido. Arrumaria uma solução. Qualquer time aí pertinho, pouco mais do que um varzeano já estava bom. Dinheiro pra quê? Até time fuleiro serviria. O advogado, falava, conjecturava, as pupilas a titilintar cifrões. Qualquer time, até que já tenha sido de segunda divisão. Pertinho de casa. A voz esganiçada do advogado, babada, de palavras rápidas, frases-feitas tonteavam-na. A sala rodava, a cadeira do filho parecia cada vez mais distante... Até que ela vomitou:
    - E não pode ser no Grêmio mesmo?