quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Infância

Banho de tanque às escondidas
Mangueira no jardim
Piscina de plástico
- gomos coloridos que o homem mais forte do mundo enchia com dois ou três soprões -
Minha infância teve sede.
Minha infância foi de água e ar,
terra e sombra confeitadas de sol mole e feliz,
tempestades e bonanças sob arco-íris gelados.
E de avô com coração cheio de balas.
E de avó com cabeça cheia de rezas e quebrantos.
Minha infância sou eu.

quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Ilustração do Sinovaldo para "Chi, Chuá e Ploc" - texto do II fascículo do Ler... de 2012







Chi era um pingo de chuva transparente, geladinho. Tinha muitos, muitos irmãos que moravam com ele na Mamãe Nimbus. Ele não contava para ninguém, mas Ploc e Chuá eram os seus favoritos. Também... eles tinham cada idéia!
Ploc sonhava em chover pesadão: queria deixar todos os gatos mais do que pingados. Já Chuá era ainda mais sonhador: queria ser tempestade. Chi queria apenas chover fininho, quem sabe escorrer pelos cabelos de uma menina bonita ou regar algum jardim secreto.
Mas tinha uma coisa que nenhum dos três queria: ser engolidos por uma daquelas coisas. Ouviram falar de muitos pingos lindos como eles que se perderam para sempre nas tripas daqueles monstros sujos, fedorentos. Chi nem olhava para baixo com medo de, na tonturinha, cair em um deles. Eram muitos, de todos os tamanhos e de todo o tipo de feiuras.  
Quando Mamãe Nimbus olhava para baixo e via um monstro horroroso daqueles, serpenteando, ficava nervosa. Segurava-se com toda força para não chover. Pedia para o compadre Vento Norte ajudá-la a salvar seus filhinhos. Ele cumpria seu dever de padrinho e soprava, soprava a comadre e seus afilhados pra longe do monstro engolidor de pingos.
Em outras terras e águas mais bonitas, ela soltava a filharada. Lá se iam os pinguinhos, todos contentes, levar a sua transparência pra matar a sede de planta, bicho e gente. Viviam cada aventura! Conheciam cada lugar esquisito! Engordavam riozinhos faceiros,  onde brincavam de ciranda com peixes, pedras, limo...
Depois, vinha outro compadre, o Sol, estendia seus cabelos quentes e dourados e recolhia toda a pingarada.
Mas, teve um dia....
O Compadre Vento Norte soprou Mamãe Nimbus bem pro alto, para não ter o perigo de ela chover seus filhinhos sobre monstro serpenteador, e foi ajudar outras comadres nuvens que também precisavam dele. Veio a Comadre Brisa e puxou fofoca com a Mamãe Nimbus. Enfileiravam uma história na outra. Todos os pingos rolavam, pulavam de tanto rir. O Compadre Sol, curioso e desconfiado que só ele, espichou seus cabelos quentes e dourados para ouvir melhor a conversa. E se juntaram outras Donas Nuvens, e Senhoritas Brisas, e Ventinhos de todos os lados.
Foi tanta potoca, tanta fofoca que o Senhor Tempo não gostou nada daquilo. Quando as Donas Nuvens se deram conta da cara feia do chefe, levaram um susto tão grande, mas tão grande que até bateram umas nas outras. A confusão foi tanta que até apareceram os Raios e Trovões.
A confusão dos Ventos jogou Mamãe Nimbus para bem perto da Terra. Ploc olhou para baixo e avisou:
–  O Monstro! O Monstro!
Mamãe Nimbus se contorceu toda para segurar seus filhos. Chuá tremelicou. Chi olhou para baixo e cutucou os irmãos:
– Olhem aquela gente na beira do monstro! Por que estão dançando?
– Elas estão olhando pra nós! E acenando! ­ – observou Ploc.
Chuá, que gostava e gostava de uma festa, espiou com um olho só e perguntou:
– Aquilo que é a dança da chuva? Tô nessa! ­– E já se preparou para o salto!
Chi quis segurá-lo: e o perigo? E o monstro? Mas era tarde demais: Chuá choveu. Todos os irmãos saltaram para socorrê-lo. Chuá, então, realizou seu sonho de formar tempestade.
No meio do caminho até a terra, Ploc e Chi o alcançaram. Os três tilintaram na cumbuca segurada pela moça. Ela os levou, junto com outros irmãos, até o pé de uma roseira. Todos eles foram dados de beber. Subiram pelas raízes, pelo caule e foram hidratar um lindo botão, que, dois dias depois, se abriu todo em gomos brancos e perfumados.
Quando o compadre Sol se espreguiçava, aprontando-se para jogar seus cabelos dourados e quentes e recolher os afilhados, a moça, toda cheia de perfumes e de rendas, colheu a rosa. Passou um laço de fita. Deu o braço para o pai, entraram em uma casa alta, cheia de flores e músicas. Mais tarde, a moça jogou a rosa no ar. Outra moça a agarrou. Chi apaixonou-se por aquele narizinho fininho e arrebitado que os cheirou. A moça do nariz bonito enfeitou os cabelos com a flor.
Chi, Ploc e Chuá dançaram que dançaram. Remexeram-se para lá e para cá. A flor escorregava aos poucos dos cabelos da moça bonita. Os irmãos estavam prestes a pular de dentro das pétalas. Outros pingos surgiam sabe-se lá de onde e escorriam pelo pescoço e pela testa perfumados de cravo e canela. Ela chegou perto do Monstro. Era só para se refrescar, mas disso os irmãos pingos não sabiam. E se caíssem lá dentro?
 Foi quando os cabelos do sol encontraram os cabelos da moça. Namoraram um brilho lindo.
Era hora de pingos voltarem para casa.